sábado, 9 de fevereiro de 2013

Ação Penal nº 470 do STF e o imbróglio (desnecessário) criado com a Câmara dos Deputados

Ação Penal nº 470 do STF e o imbróglio (desnecessário) criado com a Câmara dos Deputados Um dos temas debatidos, já na fase final da ação penal 470, diz respeito à possibilidade ou não da perda do mandato dos parlamentares envolvidos no esquema do mensalão após o trânsito em julgado da condenação criminal. O tema envolve basicamente os artigos 55, VI, e 15, III, da CR. O STF, fazendo interpretação do texto constitucional, acabou firmando entendimento de que a condenação criminal dos parlamentares federais gera, de forma automática, a perda do mandato parlamentar. É o que deve ser gabaritado em provas objetivas de concursos públicos futuramente. A temática envolvida, porém, é muito mais complexa do que aparenta. Ranço de uma Assembléia Constituinte bastante peculiar, uma vez que não se dissolveria ao final dos trabalhos que resultariam na CR atual, os então constituintes de 1988 procuram por diversas vezes blindar o Poder Legislativo com prerrogativas e garantias não estendidas aos demais poderes. Expliquemos melhor. A perda do mandato, como bem sabemos, pode ocorrer por dois modos: cassação e extinção. A primeira está prevista nos incisos I, II e VI do art. 55, enquanto que as hipóteses de extinção vem arroladas nos incisos III, IV e V do mesmo artigo. "Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado." Enquanto a cassação depende de um juízo decisório por parte de seus pares, os efeitos da extinção são automáticos,surgindo a partir do fato gerador. Assim, na cassação o fato que a ensejou não gera de per si os efeitos próprios da perda do mandato, sendo necessário que os membros da Casa Legislativa decidam sobre a perda ou não do mandato parlamentar; na extinção, por seu turno, esta se observa desde logo. Vale lembrar ainda que o procedimento de cassação envolve a deliberação de pelo menos a maioria absoluta dos membros da respectiva Casa Legislativa, EM VOTAÇÃO SECRETA! É o que dispõe o art. 55, §2º da CF: "§ 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI (SÃO AS HIPÓTESES DE CASSAÇÃO) a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa." Verifica-se, pois, que a perda ou suspensão dos direitos políticos trata-se de um dos casos de perda do mandato parlamentar por extinção. O art. 15 da Carta Republicana, por sua vez, elenca as causas de perda/suspensão dos direitos políticos, listando entre elas a condenação criminal com trânsito em julgado: "Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos" Assim, a condenação criminal com trânsito em julgado gera suspensão dos direitos políticos, que, por seu turno, gera a extinção do mandato. Do que se conclui que a condenação criminal definitiva gera a perda automática do mandato. Foi essa a linha de entendimento seguida pelo Supremo. NO ENTANTO, os próprios parlamentares trataram se auto-blindarem desse raciocínio acima delineado e, no mesmo artigo 55, em seu inciso derradeiro, consagraram que a perda do mandato de Deputado ou Senador ficaria sujeita a um processo de cassação, e como tal, objeto de análise final pelos próprios parlamentares, em votação secreta, conforme já se pontuou. Observe-se, portanto, que o inciso VI está excepcionando o inciso IV do art. 55 em combinação com o art. 15, III, da CR, criando, como já se demonstrou uma espécie de blindagem contra ingerências do Poder Judiciário. Disso se conclui, numa rápida e fácil interpretação sistêmica que condenação criminal é espécie de suspensão dos direitos políticos, gerando, portanto, a extinção dos direitos políticos, EXCETO quando a condenação criminal for de parlamentar federal, uma vez que a própria Constituição Resguarda essa hipótese como de cassação e não de extinção do mandato. Essa, sem dúvida, seria a melhor interpretação do texto constitucional. No entanto, o STF ao ignorá-la, fazendo uma interpretação não sistemática, gerou certo impasse com o Poder Legiferante, que, muito provavelmente, irá de toda forma tentar fazer valer suas prerrogativas enquanto Poder independente, sob o argumento de violação ao princípio da separação dos poderes. (Henrique Mesquita)

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