quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Breve análise da nova "Lei Seca" - Lei 12.760/2012

Breve análise da nova "Lei Seca" - Lei 12.760/2012 Por José Henrique Mesquita da Silva Minha mãe sempre diz que “direito tem quem direito anda”... e como eu gosto de saber onde piso, procurei, pesquisar um pouco mais a fundo as nuances que envolvem a “nova lei seca”, que promoveu importantes alterações no Código de Trânsito Brasileiro, notadamente no art. 306, e que vão muito além do apelo midiático, desprovido de qualquer embasamento jurídico-penal acerca do novo instituto. Pois bem, já no apagar das luzes do ano passado, e não despropositadamente antes das festas de final de ano, foi publicada a lei 12.760, de 21 de dezembro de 2012, que buscou enrijecer o sistema punitivo referente aos crimes de trânsito, especialmente enfraquecido, na minha opinião, pela Lei nº 11.705/08, que tornou imperioso, para o reconhecimento de tipicidade do comportamento de embriaguez ao volante, a aferição da concentração de álcool no sangue, uma vez que tal crime só estaria caracterizado caso ficasse constatada a concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue: “Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência” Visando corrigir esse lapso do legislador, que não atentou à época a princípios básicos que norteiam o nosso Estado Democrático de Direito, especialmente aquele que diz que ninguém deve ser obrigado a produzir prova contra si (nemo tenetur se detegere), a nova lei (12.760/2012), afastou a previsão contida no caput, que exigia a aferição da quantidade de 6 decigramas, passando a exigir, especialmente, a averiguação da capacidade psicomotora do motorista, alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. Assim, pela nova disposição: “Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência” Aliado a essa redação, o §2º do mesmo artigo passou a dispor, em reforço ao que preconiza nosso sistema processual penal, os possíveis meios de prova a serem utilizados para a constatação da alteração da capacidade psicomotora. “§ 2o A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.” Interessante, nesse ponto, analisar a Resolução nº 206/2006/CONTRAN, que elencou vários “sinais” a serem observados para a constatação da alteração da capacidade psicomotora (sonolência, olhos vermelhos, desordem nas vestes, odor de álcool no hálito, agressividade, exaltação etc. Ao leitor desavisado, porém, a leitura do §1º do art. 306 do CTB pode gerar certa confusão, uma vez que traz, em seu inciso I, aqueles mesmos índices previstos na redação anterior, dada pela lei 11.705/2008: “§ 1o As condutas previstas no caput serão constatadas por: I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.” Antecipo, não há motivo para maiores discussões, muito embora sejam elas sempre bem vindas. O inciso I, além de consubstanciar mais um meio de prova a reforçar o §2º, deve ser entendido especialmente como um meio de contraprova, seja para afastar qualquer juízo de tipicidade, seja para fazer com que o agente incorra tão somente na infração administrativa, na forma do art. 165, do CTB. Explicarei melhor. O inciso I não pode ser lido isoladamente, mas sim em conjunto com o inciso seguinte, que constitui norma penal em branco mais a frente objeto de análise. Também se deve ter em mente a regra básica da interpretação, que preconiza que o caput do artigo deve delinear o sentido dos dispositivos nele inseridos (incisos, parágrafos, alíneas etc). Assim, se o caput não exige qualquer quantificação ou dosagem para a materialização do dleito, mas tão somente a alteração da capacidade psicomotora, como o parágrafo do mesmo artigo poderia exigi-lo? Assim, como meio de contraprova, o agente autuado pode requerer que seja submetido ao teste etílico ou equivalente, de modo a comprovar que não ingeriu bebida alcoólica alguma, ou que ingeriu em quantidade mínima, em conformidade com a Res. 432/2013, do CONTRAN, podendo, dessa forma, até descaracterizar a imputação penal a que estaria sujeito pela simples análise de sua capacidade psicomotor. Vale destacar que esta Resolução nº 432, de 29 de janeiro de 2013, regulamentou a lei 12.760/2012, com a adoção da tolerância zero de álcool no sangue. Luiz Flávio Gomes defende que “Para o efeito de se distinguir o que é infração administrativa (artigo 165) e o que é crime (artigo 306), temos que começar examinando duas situações bem diferentes: (a) o motorista que se submeteu a algum exame pericial (exame de sangue ou teste de etilômetro) e; (b) o motorista que se submeteu a exames laboratoriais (caso das drogas) ou que se recusou a fazer qualquer tipo de exame (...).” O referido autor, referindo-se àquele que se submete ao exame pericial, critica a postura estatal e midiática, que acaba por desmotivar a sistemática da contraprova, uma vez que ainda se afirma (equivocadamente) que continua prevalecendo o perigo abstrato presumido (ou puro) fundado no critério meramente quantitativo. Para LFG, tal raciocínio perdeu a relevância que tinha antes da recente reforma ocorrida no CTB. Sendo assim, uma vez realizado o exame de sangue ou teste do bafômetro e comprovadas as concentrações de álcool já mencionadas, não necessariamente estará automaticamente configurado o crime de embriaguez ao volante. Segundo o delegado de polícia civil Thiago Solon Gonçalves Albeche, “A opção legislativa foi de privilegiar a influência de álcool alteradora dos sentidos, e não números rígidos de concentração alcoólica. Isto porque haverá indivíduos com tolerância mais acentuada ou não ao álcool que poderão apresentar concentração etílica muito superior os níveis previstos na lei e, nem assim, apresentarão comprometimento das atividades psicomotoras. Outros, com dois copos de cerveja, terão exaltação ou torpor suficiente para causar sensível alteração em suas habilidades mentais e físicas e, desde já, ficarem inaptos a guiar veículos automotores.” Não se trata, portanto, de uma presunção absoluta de alteração da atividade psicomotora pelo uso irresponsável de álcool. Interpretação nesse sentido, certamente, estará desgarrada da realidade que impulsionou o legislador a realizar as alterações que foram feitas. A previsão da quantidade, agora prevista no §1º, I, do art. 306, é mais no sentido de reforçar a necessidade de melhor análise, em cada caso concreto, da embriaguez ao volante, levando-se em conta cada pessoa, seu sexo, idade, altura, peso etc. Claro que uma análise individual nesses termos delineados, muito embora mais justa, demanda maior perspicácia dos agentes estatais imbuídos da tarefa de fiscalização, sendo, portanto, mais complexa. Mais fácil, para o Estado, continuar como está, fazendo um juízo arbitrário, pautado na constatação meramente quantitativa. Em contraposição, muito pouco se fomentará a submissão ao exame (de sangue ou bafômetro). Vejamos o que dispõe a Res. 432/23: DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA Artigo 6º A infração prevista no artigo 165 do CTB será caracterizada por: I - exame de sangue que apresente qualquer concentração de álcool por litro de sangue; II - teste de etilômetro com medição realizada igual ou superior a 0,05 miligrama de álcool por litro de ar alveolar expirado (0,05 mg/L), descontado o erro máximo admissível nos termos da "Tabela de Valores Referenciais para Etilômetro" constante no Anexo I; III - sinais de alteração da capacidade psicomotora obtidos na forma do artigo 5º. Parágrafo único. Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas previstas no artigo 165 do CTB ao condutor que recusar a se submeter a qualquer um dos procedimentos previstos no artigo 3º, sem prejuízo da incidência do crime previsto no art. 306 do CTB caso o condutor apresente os sinais de alteração da capacidade psicomotora. DO CRIME Artigo 7º O crime previsto no artigo 306 do CTB será caracterizado por qualquer um dos procedimentos abaixo: I - exame de sangue que apresente resultado igual ou superiora 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue (6 dg/L); II - teste de etilômetro com medição realizada igual ou superior a 0,34 miligrama de álcool por litro de ar alveolar expirado (0,34 mg/L), descontado o erro máximo admissível nos termos da "Tabela de Valores Referenciais para Etilômetro" constante no Anexo I; III - exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de consumo de outras substâncias psicoativas que determinem dependência; IV - sinais de alteração da capacidade psicomotora obtido na forma do artigo 5º. § 1º A ocorrência do crime de que trata o caput não elide a aplicação do disposto no artigo 165 do CTB. § 2º Configurado o crime de que trata este artigo, o condutor e testemunhas, se houver, serão encaminhados à Polícia Judiciária, devendo ser acompanhados dos elementos probatórios.

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