sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Homicídio em dois tempos - homicídio simples, homicídio doloso ou tentativa de homicídio em concurso com homicídio culposo?


Homicídio em dois tempos: qual é a solução jurídica?

O agente dispara contra a vítima, que desmaia; ele pensa que a vítima já morreu e joga seu corpo no rio, para encobrir o crime anterior; descobre-se depois que ela morreu não pelo disparo, sim, em virtude de afogamento. O que temos nesse caso? Um só crime (homicídio doloso) ou dois crimes (tentativa de homicídio + homicídio culposo)?

Estamos diante do que se chama de "homicídio em dois tempos". A doutrina penal também fala aqui em dolo geral (dolus generalis) ou erro sucessivo: há uma só conduta (complexa), porém, desenvolvida em dois atos.

A solução (da corrente majoritária), para o chamado "homicídio em dois tempos", é reconhecer um só crime (um só homicídio doloso). Isso vem de 1825, com von Weber. O fundamento seria o chamado dolo geral (dolo que existiria durante todo o tempo, dolo que cobriria os dois atos, segundo Welzel). O sujeito queria matar e matou.

Crítica: ocorre que o dolo do agente é sempre contemporâneo ao fato. No momento do segundo ato não havia dolo de matar (sim, dolo de esconder o corpo). O argumento do dolo geral não corresponde (totalmente) à realidade. Se não havia dolo no segundo ato, a solução seria tentativa de homicídio (primeiro ato) + homicídio culposo (segundo ato). Se a causa da morte foi o segundo ato e se nesse segundo ato não houve dolo, o correto (para a corrente minoritária) seria a última combinação, que acaba de ser aventada.

O outro fundamento (do crime único) seria o seguinte: no segundo ato há um desvio causal acidental (não essencial), que não aproveita ao agente. A situação do erro sucessivo resolve-se, portanto, pela teoria do erro sobre nexo causal (ou desvio causal acidental). Há, nesse caso, como se vê, um erro sobre o nexo causal. Nexo causal imaginado (como causa do resultado): disparo. Nexo causal que efetivamente matou: afogamentoA morte, de qualquer modo, está na linha de desdobramento do risco criado. A solução seria o crime único (homicídio doloso).

Seguindo essa solução (do crime único), o agente deve responder pelo que efetivamente ocorreu (homicídio qualificado) ou pelo que ele queria (homicídio simples)? Não existe regra expressa no nosso Código. Logo, em todas as situações em que o Código nada diz, sempre prepondera o objetivo sobre o subjetivo. Solução: o agente responde pelo que fez (homicídio doloso qualificado).

Não responde por ocultação de cadáver porque não havia cadáver (a vítima estava viva, no momento em que foi jogada ao rio). O agente tinha consciência de que jogava a vítima ao rio (por isso que responde pelo homicídio qualificado).

Saliente-se, de qualquer maneira, que esse tema é muito controvertido, havendo boas razões para se adotar qualquer das posições possíveis: (a) um só homicídio doloso simples, (b) um só homicídio doloso qualificado ou (c) tentativa de homicídio simples mais um crime culposo. Para nós a segunda posição seria a mais defensável.

Observações: Esse tema foi cobrado no concurso de delegado de polícia civil do Estado do Rio de Janeiro:

"Osvaldo, desejando matar, disparou seu revólver contra Arnaldo, que, em razão do susto, desmaiou. Osvaldo, acreditando piamente que Arnaldo estava morto, colocou-o em uma cova rasa que já havia cavado, enterrando-o, vindo a vítima a efetivamente morrer,em face da asfixia. Assim, Osvaldo praticou:"

A resposta da banca foi o Homicídio simples
, com a seguinte fundamentação:

Trata-se questão versando sobre homicídio em dois tempos ou homicídio praticado por dolo geral (dolus generalis) ou erro sucessivo. “DOLUS GENERALIS” ou ERRO SUCESSIVO ocorre quando o agente, supondo ter produzido o resultado desejado, pratica uma nova conduta, com finalidade diversa, sendo que é esta que dá causa ao evento querido na origem. Inobstante algumas críticas doutrinárias, majoritariamente a solução para o chamado "homicídio em dois tempos", é reconhecer um só crime (um só homicídio doloso). Quanto ao crime de destruição, subtração ou ocultação de cadáver é crime doloso, que tem como objeto jurídico o sentimento de respeito aos mortos e objeto material o cadáver ou parte dele, sendo o cadáver definido como corpo humano morto, enquanto conserva a aparência humana. Assim, não havia cadáver, ou seja, o objeto material deste crime. (...) Quanto à asfixia, não havia previsibilidade, motivo pelo qual não se pode atribuir ao agente na presente questão. Logo, resta somente certa a assertiva “Homicídio simples”, de acordo com a corrente majoritária. A fim de corroborar a posição esposada, segue o escólio de Álvaro Mayrink: “(...) Caio, supondo ter matado Tício, com um golpe de tesoura no peito, lança de sua lancha o corpo no mar ou ateia fogo ao pretenso cadáver, só então atingindo o fim colimado. Há um único crime doloso.” (MAYRINK, DIREITO PENAL, 2003, p. 69). Situação análoga também foi questionada na prova para Juiz do Trabalho Substituto (TRT - 1.ª Região - Juiz do Trabalho Substituto - CESPE - UnB - 2010), na qual a assertiva dada como certa era a mesma: “Considere a seguinte situação hipotética. Um jovem desferiu, com intenção homicida, golpes de faca em seu vizinho, que caiu desacordado. Acreditando ter atingido seu objetivo, enterrou o que supunha ser o cadáver no meio da mata. A perícia constatou, posteriormente, que o homem falecera em razão de asfixia decorrente da ausência de ar no local em que foi enterrado. Nessa situação, ocorreu o que a doutrina denomina de aberratio causae, devendo o agente responder pelo delito de homicídio simples consumado, por ter agido com dolo geral”. Por conseguinte, devem ser rejeitados os recursos.

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